Entrevista: Ministro OG Fernandes fala sobre a aplicação da Lei Maria da Penha para irmãos
Lei Maria da Penha pode ser aplicada entre irmãos que já não
residem na mesma casa e tampouco têm relação de dependência financeira.
Foi com esse entendimento que o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
publicou decisão que tratou da aplicação da Lei Maria da Penha no caso
de ameaça que ocorreu contra mulher, feita por seus três irmãos em
âmbito familiar (HABEAS CORPUS Nº 184.990 - RS (2010/0169388-0). Em
entrevista ao IBDFAM, o Ministro OG Fernandes, relator do caso, fala
sobre os princípios que nortearam sua decisão e aborda também a
extensão da aplicação da Lei Maria da Penha no âmbito das relações
afetivas.
Quais foram os princípios que nortearam a decisão?
Dignidade da pessoa humana e isonomia. O ambiente familiar deve ser
entendido de maneira abrangente, inserindo-se, nesse contexto, a
coabitação entre irmãos, como no caso analisado pelo STJ. A ideia de
proteção que inspirou a Lei Maria da Penha, na visão do STJ, exsurge das
relações íntimas de afeto, ainda que, ao tempo do crime, inexista
coabitação, não sendo necessário, portanto, que haja relação conjugal
entre homem e mulher.
Qual a repercussão jurídica para a sociedade dessa decisão?
Vossa Excelência acredita que reduzirá as agressões no âmbito das
relações afetivas?
A repercussão dessa decisão, que não é nova no âmbito do STJ (já há
alguns julgados nesse sentido), é positiva. O sistema penal repressivo
também contém, em seu matiz, o caráter inibitório de condutas contrárias
ao direito, mas não significa que, isoladamente, irá resolver todos os
males ligados às relações familiares.
A redução substancial das agressões, no âmbito das relações
afetivas, só ocorrerá com a conjugação de esforços do Poder Público,
adoção de políticas públicas adequadas e com a colaboração da própria
sociedade.
A atitude das vítimas perante o fato também interfere nos
resultados a serem obtidos, na medida em que a identificação das
políticas públicas a serem adotadas depende da atuação inicial da
vítima, sobretudo em levar os fatos ao conhecimento da respectiva
autoridade policial.
Podemos afirmar que o mesmo argumento utilizado nessa
decisão poderá ser aplicado nos casos de namoro/união estável em que não
há coabitação?
Depende. Há que se verificar, no caso concreto, a existência de
profundidade do vínculo formado entre as pessoas envolvidas no caso. O
relacionamento, de caráter momentâneo ou superficial, por exemplo, não
estará abrangido pela norma em questão.
Há de ser esclarecido que a Lei Maria da Penha protege, na
realidade, aquelas relações próximas, em que há vínculo afetivo
decorrente da convivência, e nas quais se possa vislumbrar certa
fragilidade de uma das pessoas envolvidas.
A decisão do Supremo que reiterou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha deu força para a extensão da referida norma?
Do meu ponto de vista, acredito que sim. Sempre que a Suprema Corte
se pronuncia a respeito da constitucionalidade de determinada lei,
forma-se um incremento coercitivo, já que as incertezas relativas à sua
aplicabilidade são afastadas, circunstância que deve concorrer para que
não mais pairem dúvidas, no que tange à aceitabilidade da lei pelo
ambiente normativo, especialmente pela Constituição. Isso possibilita
que se revele, no mesmo viés, o maior ou menor âmbito de abrangência da
norma.
A relação de afeto tem sido um marco nas decisões do Superior Tribunal de Justiça. Como V.Exa. avalia essa postura do STJ?
Creio que esse tem sido um dos grandes avanços do STJ, na medida em
que se valorizam aspectos subjetivos construídos nos domínios das
relações humanas, o que torna as suas decisões mais humanizadas.
A atividade hermenêutica pautada na dignidade humana importa
sobrepor o produto da convivência em sociedade em detrimento da
aplicação fria do comando normativo isoladamente.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
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